Diário da tese (18): sobre processos e formas

rayuela

As últimas semanas foram de intenso trabalho por aqui, tão intenso que mal deu pra postar neste diário. É algo que já previa: a quantidade de texto escrita e a revisar nestas últimas semanas somam horas em frente ao computador, e quando tenho momentos mais livres não é em frente a um dispositivo como este que escolho ficar. Mas também acontece que o diário é uma forma de refletir sobre o próprio processo, uma espécie de “alívio mental” que faz o texto sair da “caixa-preta” que ele se encontra, aberta apenas por quem o escreve e a orientadora que o corrige, e ganhar o mundo, mesmo que as poucas gentes que acompanham este processo e de uma forma diferente daquela a ser lançada na tese. O status de “publicado”, mesmo que aqui no blog, dá a tese uma materialização prévia, um pequeno ensaio do que será quando for defendido e estiver disponível por aí.

Sobre o processo de feitura, dá pra dizer que estas últimas semanas foram de fechamentos. O tempo que estabeleci para o término é até o final deste 2016; janeiro é o tempo de alguém de fora revisar o texto, fevereiro de 2017 é a entrega e março, a defesa. Com alguns meses de escrita, é notável que nosso texto vai ganhando consistência, a mente fica treinada e pega o “tom” das frases, fazendo um trabalho de filtro prévio de forma mais efetiva do que nos primeiros meses, onde tudo parece ser mais vago e os caminhos a seguir menos claros. Percebo também que uma boa organização dos textos lidos – fichamentos, sobretudo – ajudam demais nessa hora: as ideias vem em torrentes fortes e saber relacionar elas com os textos lidos (às vezes tantos que esquecemos) é fundamental para seguir o caminho. Infelizmente não fichei tantos textos como gostaria, então às vezes surge uma ideia que quero relacionar com determinado texto mas não sei em que parte do computador, da estante ou da rede ele está – e ir atrás dessa referência, num momento de turbilhão de ideias, pode frear a criatividade.

Outro aspecto importante desse período é a questão dos conceitos. Uma base teórica (metodológica) como a Teoria Ator-Rede traz muitos conceitos, que somados aos relacionados ao mundo onde estamos entrando (no caso, o da Mídia Ninja), podem fazer com que nos percamos facilmente. Quando o trabalho já tem vários capítulos e páginas, é muito fácil se perder em coisas como: “mas eu já não descrevi esse termo antes”? Não é a toa que muitos trabalhos guiados pela TAR usam de glossários no final, caso de “After Method” de John Law e “Into the Newsroom” de Emma Hemmingway, ou a tese de André Holanda (que fez um glossário online): é uma forma fácil, tanto para o leitor quanto para quem escreve, organizar melhor onde estão e o que definem estes conceitos. Também nesse caso dos conceitos é fundamental a leitura externa, de orientador ou revisor, que vai perceber melhor que a gente as repetições ao longo do trabalho.

Sobre a forma, minha proposta desde o início foi, na medida do possível (ou da briga que quero comprar), não fazer um texto “padrão” acadêmico, formal, em terceira pessoa. Para mim estava claro que isso não significa menos “rigor” na hora de escrever, mas sim buscar ser sincero na própria investigação e usar de recursos estilísticos (alguns poderiam dizer “literários”) que podem tornar o texto mais leve e agradável de se ler. Às vezes nos esquecemos que uma tese, como um TCC e uma dissertação, são para a banca mas também para outras pessoas lerem, e escrever “difícil”, encadeando citações sem “respiro” ou frases que só o autor entende, denota em muitos casos uma confusão de pensamento – que pode ser interessante quando intencional, mas certamente não é quando torna-se ocasional. A primeira pessoa é um procedimento comum em diversas áreas acadêmicas, em especial na antropologia e quando se trata de uso de métodos etnográficos, e nada mais é que a percepção de que o “eu” do autor está sempre presente no texto e na pesquisa. Não há como falar de um grupo onde se fez um trabalho de campo, por exemplo, sem mencionar o “eu” enquanto alguém que interferiu naquele lugar: escrever em primeira pessoa é só a afirmação desse eu e a negação de uma suposta “neutralidade” que sabemos ser irreal.

Outro aspecto que busquei (ou melhor, estou buscando, porque ainda não acabei) trazer na forma foi uma coisa que, por hora, estou chamando de “Interlúdio (Im) prescindível”. São trechos de texto que abrem os capítulos e tratam de temas ditos “complementares” ao capítulo que se segue, às vezes trazendo outros referenciais teóricos e uma escrita algo mais “leve”, narrativa, ou ensaística. É uma proposta inspirada por autores da própria TAR, como John Law e Bruno Latour, que trazem trechos assim, inclusive diagramados de forma diferente, em alguns de seus livros – notadamente “After Method” e “Reagregando o Social”, respectivamente – para trabalhar questões que não se ligam diretamente na sequência dos capítulos das obras, mas que de alguma forma fazem todo sentido estarem ali, como um “saiba mais”. O nome que estou usando para estes trechos vem a partir da inspiração de Rayuela (traduzido no Brasil para “O Jogo da Amarelinha”), de Julio Cortázar, e sua distinção entre a história propriamente dita, contada na parte “Del Lado de Allá“, do capítulo 1 ao 56, e a segunda parte, “De Otros Lados“, os capítulos chamado por ele de “prescindíveis”, do 57 ao 155, que trazem textos que poderiam ser chamados de complementares, mas que podem ser lidos em uma sequência junto aos capítulos da primeira parte, como sugere o próprio autor no início do livro.

Esta divisão foi a forma que encontrei para, também, por trechos de outros textos produzidos durante o doutorado, insights que não tive tempo para desenvolver por completo mas que fazem sentido estar na tese, questões relacionadas que fogem do escopo estritamente da TAR, entre outros motivos. Sobre o jeito que a banca vai ver esses capítulos, só em março para saber.

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