Anos atrás, viajei ao Uruguai e gastei algumas horas em livrarias para achar um escritor contemporâneo, que estivesse vivo e publicando (gosto dessa busca, já fiz isso em outros locais também, mas aí é outra história). Achei um livrinho de nome raro, “El increíble Springer”, ganhador de um concurso nacional, escrito por um tipo um pouco mais velho que eu, da região de Maldonado, Punta Del Este, chamado Damian Gonzaléz Bertolino. Narra a bonita relação da amizade de dois meninos dessa região, com o extraordinário aparecendo sutilmente na rotina de brincadeiras de rua, escola e na praia, o que me lembrou Onetti (meu escritor uruguaio favorito, enorme nome da literatura latino-americana) e suas borradas divisões entre realidade e ficção – mas longe, muito longe, da popular hoje autoficção.
No final do ano passado fui ao Uruguai e passei novamente um tempo em livrarias, mas dessa vez para procurar outro de Bertolino, e assim voltei com “El Fondo”. Novamente a infância e a mesma paisagem, mas agora a visão de uma criança sobre as histórias de sua família, especialmente de seu pai, um tipo raro de contador de causos extraordinários. Está ali também o cotidiano das descobertas infantis, as questões escondidas de família, que rendem também boas risadas (e umas lágrimas) na prosa simples de Bertolino, que emenda uma história na outra sem divisão de capítulos, às vezes nem de parágrafo (como costuma ser quando uma criança conta uma história?). Me peguei lendo e notando o quanto gosto dessas histórias que são também relato de uma paisagem, um modo de ser no mundo, narrado sem afetação, citações ou experimentação vazia, onde as referências e inovações estão à serviço da criação.
Recordei também o quanto me toca e é familiar esse “ethos” uruguaio; o mate, as praias enormes e ventosas, o horizonte aberto, a honestidade na comunicação, a noção algo lenta da vida que valoriza as coisas ditas “pequenas” porque ali tudo é um tanto pequeno. Inés Bortagaray em “Um, dois, e já” apresentava lindamente esse modo, assim com muitos Onetti (em vários contos), Morosoli (“A Longa Viagem de Prazer”) – e agora também Damián González Bertolino.