Dias Perfeitos

perfect days

Faz duas semanas que vi “Dias Perfeitos”, do Wim Wenders (até hoje provavelmente o cineasta que vi mais filmes na vida) e ainda tenho me pego pensando nele – ajudado também pela playlist com as músicas das fitas de Hirayama (o protagonista) expandida um tanto para um rock psicodélico japonês que me fez descobrir a maravilhosa Sachiko Kanenobu (a “Joni Mitchell japonesa”, numa redução ruim mas que talvez ajude). Não é um filme onde coisas explodem, nem há reviravoltas malucas nem cenas chocantes; há a rotina mostrada numa existência ritualizada, onde os prazeres e os momentos de lazer se encaixam numa dinâmica geral e programada. Um eterno retorno do mesmo: dos mesmos horários, dos mesmos gestos, dos mesmos lugares, do mesmo trajeto, com sutis diferenças criadas pelo destino – o inesperado da diferença que sempre se apresenta.

A existência de Hirayama é marcada pela simplicidade (alguns diriam também “pobreza”), onde a felicidade se torna possível, descomplicada e discreta – o que não significa que não exista dor, trauma e sofrimento, já que há tb muita coisa escondida nessa rotina que não acessamos por completo. Algo muito bonito que ficou disso tudo pra mim é que Hirayama parece ter um certo “compromisso com um modo de existência”, uma definição de ética que está em Deleuze (que, por sua vez, buscou em Espinosa). O pouco que acessamos de sua vida fora dos “Dias Perfeitos” é uma sugestão sutil de que este modo de vida é um compromisso consigo, uma diferenciação com relação àquilo que esperam dele, talvez uma recusa em repetir os gestos da família, ou um desejo mais forte de tornar-se o que se é, com o mínimo, ou o máximo, de autoria e singularidade.