Já falei por aqui que a perspectiva teórica/metodológica que utilizo na tese é fortemente baseada na antropologia, em especial no grupo de autores que se costumou chamar de Teoria Ator-Rede – em inglês, Actor-Network Theory, ANT, que não por acaso sugere o trocadilho com Formiga (“Ant” em inglês). Originada nos estudos da Ciência e Tecnologia (em inglês, STS), a Teoria Ator-Rede surge no início dos anos 1980, no contexto de alternativas às concepções estruturalistas e funcionais da ciência; estas oferecem ora explicações sociais, baseadas em relações de causa e efeito ocasionadas pelo social isolado do “fenômeno” a ser analisado, ora essencialistas, centradas no fenômeno a ser analisado, sem considerar as suas relações sociais, econômicas, culturais, etc. Em oposição a isso, pesquisadores como Bruno Latour, Michel Callon, John Law, Madeleine Akrich e Annemarie Mol, entre outros, começaram a defender a ideia de que as inovações científicas e técnicas não poderiam ser pensadas de forma separada do contexto em que se inserem e dos atores envolvidos em sua produção. Assim, propõem uma “sociologia da mobilidade” (um dos muitos nomes já usados antes de TAR), que não considera nada do que quer explicar como algo dado a priori, e onde a explicação para os fenômenos sociais passa a se dar no fluxo, na circulação em rede entre os atores envolvidos, sejam eles humanos ou não-humanos.
Quando a TAR propõe uma análise da circulação de todos os atores envolvidos, passa também a considerar aqueles atores não-humanos no processo. A partir da observação antropológica de redes que constituem, por exemplo, descobertas científicas, estas pesquisas passal a valorizar também o papel das materialidades na produção de uma ação: a produção de um conhecimento científico não pode ser entendida sem os objetos técnicos que participam do processo. Como explica Michel Callon nesta entrevista de 2008, a ideia de dar a mesma importância a ambos vem em oposição “a uma distinção constringente, historicamente marcada e que corresponde ao modernismo, quero dizer, à convicção, segundo a qual há duas categorias de entidades no cosmos, a saber: os humanos e os outros”.
No Brasil, esta perspectiva é conhecida sobretudo pela obra de Bruno Latour, filósofo francês que já veio diversas vezes pra cá e que tem muitos livros traduzidos para o português, com destaque para “Ciência em Ação“, (Unesp/2000), “Jamais Fomos Modernos” (Editora 34/1994) e “Reagregando o Social” (Edusc/Edufba 2012). Por sinal, alguns livros infelizmente mal traduzidos, o que faz com que muita gente – entre eles o antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro, interlocutor comum de Latour – não recomende as edições em português lançadas aqui pela Edusc, de Bauru, como a de “Reagregando”, feita em parceria com a Editora da UFBA. Li alguns textos de Latour em espanhol e inglês e me pareceu que, para quem quer se debruçar, vale o esforço de ler uma obra tão densa, confusamente escrita (como é o estilo do francês, prolixo e confuso), em outro idioma que não o português.
Apesar da popularidade de Latour, o fato é que há muita TAR pra além dele. Estou terminando um capítulo que apresenta alguns conceitos atores-rede básicos, e que usarei pra minha tese, como simetria, tradução e mediação, e estou vendo que John Law, Michel Callon e Annemarie Mol, por exemplo, tem estudos excelentes trabalhando com a perspectiva da TAR com objetos tão distintos quanto, respectivamente, as navegações portuguesas do século XVI, a queda do crescimento da população do molusco conhecido como Vieira na França e as diferentes formas que uma doença como a anemia podem ser “performadas” nos diferentes atores que fazem parte de sua rede (médicos, pacientes, enfermeiros). Nesse site, mantido por Law, há uma base de textos (em inglês) do que se identifica como Actor-Network Theory, boa parte com comentários rápidos que guiam o leitor para o que trata cada um; nesta outra página a bibliografia está dividida por tópicos. Deixo aqui em PDF três dos textos iniciais, considerados basilares da área, escrito nos anos 1980 e ainda importantes para entrar no cansativo (mas prazeroso) caminho da TAR.
_ Callon, Michel and Latour, Bruno (1981). Unscrewing the Big Leviathan: how actors macrostructure reality and how sociologists help them to do so. In K. D. Knorr-Cetina and A. V. Cicourel (Eds.) Advances in Social Theory and Methodology: Toward an Integration of Micro- and Macro-Sociologies. Boston, Mass, Routledge and Kegan Paul: 277-303.
_ Callon, Michel. (1986). Some Elements of a Sociology of Translation: Domestication of the Scallops and the Fishermen of Saint Brieuc Bay. In J. Law (Ed.) Power, Action and Belief: a new Sociology of Knowledge? Sociological Review Monograph. London, Routledge and Kegan Paul. 32: 196-233.
_ Law, J. (1986). On the Methods of Long Distance Control: Vessels, Navigation and the Portuguese Route to India. In J. Law (Ed.) Power, Action and Belief: a new Sociology of Knowledge? Sociological Review Monograph. London, Routledge and Kegan Paul. 32: 234-263.
Crédito imagem: “Reagregando o Social”, 2012.