Diário da tese (21): a versão final e o pós-tese

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Passados dois meses e quase meio da defesa, eis que está disponível no LUME (sistema de biblioteca da UFRGS) a versão da tese entregue para a biblioteca e que será, definitivamente, a prova cabal de que defendi a tese e posso ser considerado um “doutor” pelos sistemas acadêmicos. Boa parte do material que usei, assim como alguns fichamentos, está disponível nesta página também. Passado esse tempo, já vejo o trabalho com outros olhos. Ainda olhos viciados, mas menos do que antes, com um início de distanciamento do processo que já me faz ver com melhor nitidez os defeitos e as qualidades da tese.

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Ajudou a ter esse olhar, também, duas ocasiões em que estive falando do trabalho na Unisinos, a primeira na aula de Ronaldo Henn e Maria Clara Aquino Bittencourt na pós-graduação (a foto que abre o post é de lá, feita pelo Ronaldo Henn), uma semana depois da defesa; a segunda no VI Seminário Aberto de Jornalismo da mesma pós, numa mesa a debater “Práticas e Novos Modelos de Jornalismo Digital” com Leandro Demori (Medium/Piauí) e Daniela Bertocchi. Uma parte de minha fala foi transmitida ao vivo via Facebook, e um relato de Ronaldo resumindo o evento inteiro foi publicado no Medium.

Um sentimento muito presente pós-defesa é o de um certo alívio, oriundo do clichê “missão cumprida”. Outro, talvez mais meu do que de muitos recém-doutores, é o cansaço da academia: do sistema hierárquico, da cobrança de produtividade sem relevância, do diálogo às vezes viciado de formalidades que revelam mais falsidade do que honestidade. Felizmente, nas duas ocasiões na Unisinos, o diálogo foi produtivo e sincero, mas ainda estou num processo de afastamento desse universo e (re) aproximação de outros mais práticos. Busca pessoal mesmo, de ir para outras frentes que me interessam mais e que, por motivos tortos, nunca entraram na linha de frente de minha vida acadêmica.

Aos que aqui me acompanham, convido também a visitar o BaixaCultura, que está sendo reformulado para virar um laboratório online de cultura livre e (contra) cultura digital. Não é uma novidade em si, já que o Baixa vem sendo esse espaço experimental que caracteriza um laboratório já faz uns bons anos, mas agora isso vai estar mais explícito. E também o Enfrenta, projeto de mapeamento de coletivos espanhóis que participei em janeiro e fevereiro deste ano – quando a tese estava sendo revisada, aliás – e que, nestes meados de 2017, está em sua 2º etapa, de realização dos produtos da pesquisa. Com esses dois projetos e outros embrionários, busco criar caminhos, bem como fortalecer os já existentes, que me tragam algumas respostas sobre a viabilidade (“sustentabilidade”) de modos de vida alternativos,  uma busca de autonomia guiada pelas ideias da cultura livre e da economia solidária. Também é um teste de criação de caminho para buscar uma resposta bem particular: quais são as possibilidades de ser um “doutor” sem ser professor em tempo integral numa universidade, pública ou particular, tal como conhecemos a universidade hoje? É viável, em termos de sobrevivência financeira, ensinar e aprender com profundidade em sistemas que fujam do tradicional instituído na academia, mesmo que em alguns pontos não deixem de dialogar com ela?

Algumas pessoas tem dito e mostrado que sim, outras tem investigado bastante sobre isso (veja o Lab21), e eu tenho tentando entender um pouco melhor como se dão estes projetos, de doutorados informais à Escola da Ponte (veja essa entrevista com José Pacheco, um dos criadores da Escola), da Nuvem ao laboratórios de inovação cidadã (como o brasileiro LabxSantista, criado pelo Instituto Procomum). Como disse num post anterior, com a catástrofe ambiental sendo cada vez mais uma realidade, com a “Intrusão de Gaia” (termo de Isabelle Stangers) nos fazendo perder todas as referências e com a chegada do Antropoceno, essa era geoológica que só deverá dar lugar a uma outra muito depois de termos desaparecido da face da terra, como diz Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski (em “Há Mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins”, 2014), entendo também a busca de espaços de aprendizagem alternativos aos que existem hoje como fundamental para nossa sobrevivência enquanto espécie neste planeta.

Não perco totalmente a relação com a universidade porque acredito que haja uma possibilidade (pequena) de hackear ela por dentro. E, também, ainda dou aulas esporádicas de narrativas jornalísticas digitais em duas especializações, na UCS e na PUCRS, e nesta última começo no semestre que vem uma disciplina chamada “cultura hacker e jornalismo digital” que quero que seja um experimento de uma educação mais próxima à iniciativas que listo acima. Reconheço a Universidade como, mais do que produtora, um espaço de normatização e legitimação sistêmica do conhecimento, e o contato com ela é importante. Mas é certo que há muita vida e coisas a fazer também fora da universidade, não é mesmo?

 

Diário da tese (20): final de processo?

 

 

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Ontem foi a defesa da tese no PPGCOM. Depois de três longas horas de discussão, terminei aprovado. Muita coisa foi discutida e criticada durante esse tempo, e talvez boa parte dessas críticas e apontamentos sejam aproveitados em reescrituras da tese, novos artigos, quiçá um livro.

O amigo Douglas Freitas fez a transmissão via Periscope de uma parte da defesa – a minha apresentação, a fala de Fábio Malini e Ronaldo Hennn. As fotos são da Sheila. Os agradecimentos a tod@s que de alguma forma estiveram presentes no processo estão na própria tese. Por hora, esse diário da tese dá uma parada, voltando daqui a uns meses para, quem sabe, contar o que da tese se fez.

Diário da tese (1): do início até a qualificação

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Entrei no doutorado em comunicação e informação no PPGCOM da UFRGS em março de 2013. De lá até aqui, setembro de 2015, muita coisa aconteceu nesse processo: disciplinas cursadas na UFRGS e na PUCRS (existe um convênio entre os programas de pós-graduação em comunicação da região – Unisinos e UFSM, além dos já citados – que possibilita esse intercâmbio para cursar disciplinas, de forma gratuita e a depender da disponibilidade de vagas); estágios-docências realizados (no doutorado, dois são obrigatórios para quem é bolsista CAPES, o que é meu caso; fiz ambos em webjornalismo, no curso de jornalismo); orientações de trabalhos finais da graduação (oficialmente coorientação, porque só professor da universidade pode “assinar” a orientação do trabalho, segundo normas da UFRGS de 2014 pra cá, o que é uma questão complexa a se discutir em outro momento); entre outras coisas diversas que não vale citar aqui.

Nesse período, é natural – eu diria até normal – que o projeto inicial do doutorado se altere. Foi o meu caso; do nome do projeto com que entrei no doutorado, “Cultura hacker no jornalismo: métodos e ética do it yourslelf nas práticas jornalísticas contemporâneas do ciberespaço“, só a palavra jornalismo permanece hoje. Leituras, vivências e problemáticas levantadas nesses dois anos e meio foram os fatores responsáveis por essas mudanças, muitas delas trazidas pelas disciplinas cursadas, outras tantas por experiências fora da academia – no meu caso, a pesquisa estava (e ainda está) umbilicalmente ligada com minha prática fora da universidade. Nunca consegui pesquisar assuntos que não permeiem minha ação prática, profissional ou não, e suspeito que fazer esta separação seja um dos motivos pelo qual a universidade continua a construir muros de separação com a comunidade (a “realidade”), com raras exceções em alguns cursos e oficinas e nos projetos chamados de “extensão”. Projetos que, no caso de programas de pós-graduação em comunicação, não são comuns; no programa onde estou, só sei da existência de um destes projetos, e não me parece que seja muito diferente nos outros 44 programas existentes na área no Brasil, segundo a CAPES. Culpa do sistema produtivista, que não valoriza muito no Lattes esse tipo de ação, e também de todos que cá estamos, que às vezes não estamos preocupados (ou não queremos, ou – mais raro – não conseguimos) em trazer algum retorno, depois de anos de estudo, para determinada comunidade.

Mas voltando ao projeto: embora muita coisa tenha se modificado, outras permanecem. O projeto atual tem o nome de “A mediação no jornalismo produzido por não-jornalistas: um estudo das agências humanas e não-humanas na Mídia Ninja“. Da bagagem teórica e prática sobre cultura hacker e jornalismo que pesquisei nos últimos,  algumas questões permanecem, sobretudo da relação da ética hacker com a ideia de transparência presente em alguns coletivos de comunicação e o espírito “faça você mesmo” sem pedir autorização nem a “benção” de alguém. Outras mudanças são substanciais, como a forte presença da teoria ator-rede no trabalho (“agências humanas e não-humanas” vem daí), popularizada (e questionada) pelo antropólogo Bruno Latour, que tomei conhecimento em uma das disciplinas cursadas no PPGCOM, “Artefatos da Cultura Digital”, com a professora Suely Fragoso, e foi uma daquelas experiências conceituais que “viram a chave” de diversos entendimentos, tanto pra pesquisa específica como pra vida.

Este post inaugural do diário da tese tem um motivo especial de sair hoje: amanhã, dia 1/10, às 15h no auditório 2 do prédio da Fabico (faculdade de biblioteconomia e comunicação onde se situa o PPGCOM) vou a qualificação com este projeto. A banca é formada por Virgínia Fonseca, minha orientadora, e Alex Primo (UFRGS) e Fábio Malini (UFES). A qualificação é como uma pré-banca, onde o projeto de tese é avaliado e criticado, com o objetivo de afiná-lo até a defesa final, no meu caso a ser realizada entre dezembro de 2016 e março de 2017. Neste um ano e alguns meses até lá, o objetivo aqui é compartilhar referências, problemas, angústias e informações desse trabalho extremamente solitário que é a feitura de uma tese – por mais que haja orientador, colegas, amigos e grupos de pesquisa para se discutir, é sabido que a feitura de uma tese é um processo interno profundo, de cada um e seu(s) computador(res). Que seja, então, um processo solitário compartilhado.

P.s: Aproveitei a ocasião também para compilar alguns materiais espalhados, publicações e utilizados em aulas, palestras e oficinas, neste mesmo site, assim como informações sobre projetos que participo/participei. A ideia é ir agregando novos na medida em que forem sendo produzidos.

(a foto que abre o post é da Sheila Uberti)