A Colaboradora

colaboradora

Estive em Santos em maio de 2018 para acompanhar a imersão de inauguração da Colaboradora, projeto experimental inspirado na La Colaboradora de Zaragoza, na Espanha, mas com todas as diferenças possíveis que um projeto com 14 artistas e produtores culturais, em vez de empreendedores criativos como na Espanha, num território rico e complexo como esse pode ter. A facilitação nesse processo feita pelo trio Etinerâncias foi coisa linda de se ver e sentir, trazendo o corpo, os sentimentos e a brincadeira para jogar no espaço a ser criado (o que é uma colaboradora? um espaço de colaboração artística e cultural com pelo menos 10 meses de duração, e o que mais?), no território ao redor a ser experimentado e no interior de egos complexos como costumam ser o de gente que se expressa enquanto artista no mundo.

No primeiro relato da documentação, tentei trazer um pouco do que foram os três dias de imersão inicial do projeto, com destaque para o território onde o lab e a Colaboradora se situa, a Bacia do Mercado. Um trecho: “Ao final da tarde do último dia de imersão, seguimos todxs para o espaço em frente ao Mercado Municipal onde ocorre o embarque e o desembarque dos pequenos barcos de madeira chamados catraia. São esses barcos, espécie de canoas maiores e motorizadas que levam até 20 pessoas sentadas, a forma mais rápida de acesso entre Santos e Vicente de Carvalho, distrito de 130 mil habitantes que pertence à cidade de Guarujá. O trajeto de 800 m é feito por pequenos barqueiros que atracam em frente ao Mercado; cobram R$1,50 para a travessia, que percorre em 10 minutos o Estuário de Santos, onde os enormes navios que chegam ao porto atracam, até chegar em Vicente de Carvalho. Para pegar o estuário, as catraias tomam um pequeno canal que passa embaixo de avenidas e armazéns das Docas do porto. Nesse dia, a maré alta fez com que o espaço entre as águas do canal, em baixo, e as ruas e armazéns, em cima, fosse menor que o usual. Os mais altos tiveram que se abaixar para não baterem no concreto enquanto o barco deslizava em direção ao estuário.”

Depois, fiz algo que, enquanto jornalista bissexto, não fazia há muito tempo: perfis. Tinha até me esquecido do quanto é bom ouvir pessoas interessantes e buscar traduzir em palavras suas histórias de um modo mais preciso, correto e sensível possível. Sem o relógio diário da “atualização contínua” a martelar, torna-se um trabalho prazeroso e artesanal, ainda que não ter cobrança diária não signifique não ter prazo, o que sabemos ser a causa mortis de muitos projetos, ideias e pesquisas.

Fiz 13 perfis dos integrantes da Colaboradora. Conheci melhor Santos e a Baixada Santista a partir de cada história dos artistas e produtores culturais participantes. As agruras de se readaptar ao seu país de origem, de sobreviver fazendo arte enquanto outros afazeres do status quo são mais fáceis de pagar as contas, de ser mulher negra e fora dos padrões de beleza, de sair (ou fugir) da casa dos pais para tentar a vida como artista, de fazer arte, dar aulas e cuidar dos filhos pequenos, de se descobrir artista/produtor depois de anos em outras carreiras; tem um pouco de tudo isso nos perfis. Todos eles podem ser vistos aqui.